É uma realidade: detesto sopa. Detesto sopa desde pequena. Detesto sopa desde as horas sem fim passadas em frente de um prato de sopa.
A sopa cheira a castigo. É uma palavra triste, suspeitamente esverdeada, nauseantemente povoada de corpos boiantes não identificados, sobre os quais se forma uma película viscosa e doentia.
Cheira a refeitório de escola em dia de chuva.
Cheira a hospital fora da hora de visita.
Cheira a quartel.
Cheira a culpa.
Sento-me em frente da sopa. Tenho por companhia uma mosca e o som de um rádio muito ao longe. O relógio de parede arrasta penosamente o ponteiro dos minutos sobre os números romanos do mostrador amarelado. Desfaço entre os dedos um bocado de miolo de pão e amasso-o pacientemente em bolinhas.
Enquanto não comeres a sopa não comes mais nada. Nem que fiques aí até à hora do jantar.
A sopa carimba todas as páginas da minha memória com uma tinta verde indelével e observa o meu desespero, sem compreender.
Detesto sopa.
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