Estava prometido à Ana Paula um post sobre Jules Verne. E isto porque no seu Música do Acaso ela me fez sentir saudades de Jules Verne. E saudades do tempo em que descobrir Jules Verne foi descobrir um mundo. Jules Verne e férias grandes estarão para mim sempre associados. E tenho saudades de ambos.
Também tenho saudades do meu pai. O meu pai era um homem de ciência, mas gostava tanto de literatura como qualquer homem de letras. A ele devo a descoberta de todos os autores da minha juventude: Camilo, Dostoiewski, Victor Hugo, Dumas, Steinbeck, Melville, Schiller, Goethe, Eça de Queiroz, Stendhal, Balzac, Garrett, Shakespeare, Walter Scott, sei lá quantos mais e... Jules Verne! Na estante grande, de portas de vidro com cortininhas de seda vermelhas, lá estava, na primeira prateleira de cima, a colecção completa de Jules Verne, as lombadas estreitinhas, vermelhas, verdes, castanhas. Já na época - e passaram-se já uns quantos anos - os livros não eram novos. Tinham sido fieis companheiros da juventude do meu pai, que me passava assim o testemunho de um autor que ele considerava mágico. E que saudades tenho de os folhear, de lhes sentir o cheiro a papel velho, de admirar as ilustrações que davam vida aos episódios mais excitantes.
No meu quarto cabia o mundo. Todos os cheiros, os sons, as línguas, as raças, as florestas virgens, os oceanos em fúria, os céus em paz, todos os meios de transporte, todas as invenções do homem, todas as maravilhas da natureza, tudo aquilo que o homem sabia e muito daquilo que o homem nunca sonhara, tudo isso vinha ter comigo, ali dentro do meu quarto, nos primeiros dias das férias grandes. E Jules Verne era o responsável. Jules Verne e o meu pai, que sabia perfeitamente do que ele era capaz...