sábado, maio 26, 2007

115. COISAS DE QUE TENHO SAUDADES V

Estava prometido à Ana Paula um post sobre Jules Verne. E isto porque no seu Música do Acaso ela me fez sentir saudades de Jules Verne. E saudades do tempo em que descobrir Jules Verne foi descobrir um mundo. Jules Verne e férias grandes estarão para mim sempre associados. E tenho saudades de ambos.

Também tenho saudades do meu pai. O meu pai era um homem de ciência, mas gostava tanto de literatura como qualquer homem de letras. A ele devo a descoberta de todos os autores da minha juventude: Camilo, Dostoiewski, Victor Hugo, Dumas, Steinbeck, Melville, Schiller, Goethe, Eça de Queiroz, Stendhal, Balzac, Garrett, Shakespeare, Walter Scott, sei lá quantos mais e... Jules Verne! Na estante grande, de portas de vidro com cortininhas de seda vermelhas, lá estava, na primeira prateleira de cima, a colecção completa de Jules Verne, as lombadas estreitinhas, vermelhas, verdes, castanhas. Já na época - e passaram-se já uns quantos anos - os livros não eram novos. Tinham sido fieis companheiros da juventude do meu pai, que me passava assim o testemunho de um autor que ele considerava mágico. E que saudades tenho de os folhear, de lhes sentir o cheiro a papel velho, de admirar as ilustrações que davam vida aos episódios mais excitantes.

Perfeito, perfeito, como diria o Bruno Nogueira, eram os primeiros dias de férias grandes. Esse enorme e generoso lapso de tempo que se estendia, tépido e suculento, entre as notas do terceiro período e a inevitabilidade que Outubro trazia consigo. Deitada no chão do meu quarto, sem ninguém me dizer nada, sem trabalhos de casa para fazer, com a garantia de que durante três meses não iria ouvir falar em matemática, com a cabeça enfiada na prateleira de baixo da minha estante, previamente esvaziada, e apoiada numa grande almofada, com os barulhos da rua a entrarem pela janela aberta, o calor, a promessa de dias longos e ociosos, devorava livros. Perfeito.
Não sei que idade teria quando peguei pela primeira vez num Jules Verne (creio que era A Ilha Misteriosa), mas sei que não houve nada que perturbasse essa relação perfeita. Tenho saudades de ler pela primeira vez um romance de Jules Verne. Da emoção de cortar amarras e voar para um mundo que satisfazia todos os meus sonhos de aventura. Ali, no chão do meu quarto, com a cabeça enfiada na prateleira da estante, eu embarquei nas mais delirantes viagens, descobri os mais exórticos destinos, conheci os nossos antípodas, saltei de comboios para balões, de zeplins para submarinos, carreguei para toda vida as pilhas da minha desmedida vontade de partir.
Com Jules Verne dei a Volta ao Mundo em 80 Dias, invejei Os Filhos do Capitão Grant, nos seus Dois Anos de Férias, desci pela caractera de um vulcão numa Viagem ao Centro da Terra, sofri quando cegaram um correio do czar chamado Miguel Strogoff, mergulhei ao fundo dos mares em Vinte Mil Léguas Submarinas, pairei durante Cinco Semanas em Balão, vibrei de emoção na Ilha do Tesouro e ainda me sobrou tempo para ir Da Terra à Lua.

No meu quarto cabia o mundo. Todos os cheiros, os sons, as línguas, as raças, as florestas virgens, os oceanos em fúria, os céus em paz, todos os meios de transporte, todas as invenções do homem, todas as maravilhas da natureza, tudo aquilo que o homem sabia e muito daquilo que o homem nunca sonhara, tudo isso vinha ter comigo, ali dentro do meu quarto, nos primeiros dias das férias grandes. E Jules Verne era o responsável. Jules Verne e o meu pai, que sabia perfeitamente do que ele era capaz...

domingo, maio 20, 2007

112. 120




Your EQ is 120



50 or less: Thanks for answering honestly. Now get yourself a shrink, quick!

51-70: When it comes to understanding human emotions, you'd have better luck understanding Chinese.

71-90: You've got more emotional intelligence than the average frat boy. Barely.

91-110: You're average. It's easy to predict how you'll react to things. But anyone could have guessed that.

111-130: You usually have it going on emotionally, but roadblocks tend to land you on your butt.

131-150: You are remarkable when it comes to relating with others. Only the biggest losers get under your skin.

150+: Two possibilities - you've either out "Dr. Phil-ed" Dr. Phil... or you're a dirty liar.

111. HOJE (H)À NOITE


sábado, maio 19, 2007

110. A CIDADE QUE NAVEGA


La ciudad que navega
A Lisboa hay que verla en el tiempo exacto de un sollozo. Verla toda entera con la primera luz del amanecer, por ejemplo. O verla bien completa con el último reflejo del sol sobre la Rua da Prata. Y después llorar. Porque uno, aunque sea la primera vez que la ve, tiene la impresión de haber vivido antes allí todo tipo de amores truncados, desenlaces violentos, ilusiones perdidas y suicidios ejemplares.
(...)
Lisboa es el nada nunca jamás. Lisboa es para llorar, puro destino y llanto, fado y luz de lágrima. Pero al mismo tiempo es una inmersión radical en la alegría. “Otra vez vuelvo a verte, / ciudad de mi infancia pavorosamente perdida /Ciudad triste y alegre, otra vez sueño aquí”. No es la ciudad blanca que creyó ver un suizo equivocado, sino una ciudad azul de alegres nostalgias inventadas. Sólo en Lisboa puede verse un azul de azules, que es un color que aturde. Lo vio Pedro Tamem, que lo inmortalizó así: “Desde lo alto os hablo, desde donde / añado azul de muchos colores / al otro azul que vuestros ojos ven”.
Enrique Vila-Matas

E é por estas e por outras que eu gosto tanto do Vila-Matas. E que vou começar agora a ler o Doutor Passavento. E que espero gostar muito.

sexta-feira, maio 18, 2007

109. SINGELA HOMENAGEM


Diz que são ouriços.

108. MURAKAMI E O CARNEIRO DESAPARECIDO

Murakami e o seu tradutor para língua inglesa

Já há bastante tempo que eu ficara de dar notícias do carneiro selvagem. Parti com Haruki Murakami em busca dele e andei uns tempos por lá. Mas aqui estão elas .
"Soube da sua morte por um amigo." Com estas palavras se inicia este que é um dos primeiros romances de Murakami. E continua: "Ele viu a notícia quando passava os olhos pelas páginas de um matutino e deu-se ao trabalho de me telefonar a ler o texto."
Se nunca mais sabemos de quem se fala ou a importância que a personagem pode ter no romance, isso é absolutamente indiferente. O que se trata aqui é do carneiro selvagem. O resto são coincidências filhas da mãe. É que há coincidências que não dá mesmo para acreditar. E, no entanto, elas surgem a cada página da obra deste autor.
E de coincidência em coincidência, o narrador vai-se envolvendo (e vai envolvendo-nos) na mais bizarra busca que é possível imaginar: a de um carneiro com características tão especiais que nem é bom conhecê-las! Não é que ele seja um homem demasiado aventureiro, demasiado ousado, ou demasiado curioso, mas a vida tem destas coisas e como fugir delas?
"Tive vontade de mandar tudo às urtigas naquele preciso momento e lançar-me montanha abaixo, sem dar satisfações a ninguém. Porém, a verdade é que isso também não levaria a nada. Estava demasiado envolvido para me safar assim. Só me apetecia gritar. O recurso mais fácil seria pôr-me a chorar, mas de que me serviria? Chorar por chorar, desde há muito que havia coisas que mereciam bem mais as minhas lágrimas, como eu no fundo bem sabia. Fui à cozinha, deitei a mão à garrafa de uísque, despejei cinco dedos num copo e bebi. Foi a única coisa que me passou pela cabeça fazer."
E, apesar de estarmos já bastante adiantados no livro, o mais perturbador está ainda para vir. Encontrará o narrador ou o leitor o carneiro selvagem? Saberá sequer para que anda à sua procura? Encontrará o narrador ou o leitor um sentido para a vida? Um motivo válido para abandonar tudo, mas mesmo tudo, para perseguir carneiros selvagens com uma estrela no dorso?
Constante na literatura de Murakami, a preplexidade acompanha-nos até à última página. E desta para o próximo romance. Não há como fugir ao fascínio.




A publicação em Portugal da obra de Haruki Murakami tem seguido uma ordem tão surpreendente que poderia ser tema de um dos seus romances. Não é fácil estabelecer a cronologia. No entanto, para os interessados, recomendo vivamente o fabuloso site www.harukimurakami.com, onde poderão seguir o fio à meada.




De qualquer modo, o que interessa é ler Murakami, seja lá por que ordem for. Este "Em Busca do Carneiro Selvagem", que faz parte do que é conhecido pela Triologia do Rato (juntamente com Hear the Wind Sing e Pinball), uma das suas primeiras obras, contém já os ingredientes que iriam fazer o sucesso de Murakami em todo o mundo: o humor, o surrealismo, a fuga à realidade pelo fantástico e um retrato pungente do vazio espiritual e da solidão provocados por uma sociedade dominada pela mentalidade da concorrência e do capitalismo desenfreado. Demasiado obcecado por estes temas, dizem alguns dos seus críticos. Fascinantemente fiel às suas obsessões, defendem os seus admiradores. Nada como lê-lo. E já que neste momento temos alguma possibilidade de escolha, talvez seguir a ordem cronológica de publicação, que aqui fica.



De Haruki Murakami encontram-se publicados em tradução portuguesa (as datas são as das publicações dos originais):

Em Busca do Carneiro Selvagem (1982)
Norwegian Wood (1987)
Crónica do Pássaro de Corda (1994)
Sputnik Meu Amor (1999)
Kafka à Beira Mar (2005)





segunda-feira, maio 14, 2007

105. "meme" # 2


Sê paciente; espera

que a palavra amadureça

e se desprenda como um fruto

ao passar o vento que a mereça.


Eugénio de Andrade

(*) Um "meme" é um " gene cultural" que envolve algum conhecimento que passas a outros contemporâneos ou a teus descendentes. Os memes podem ser ideias ou partes de ideias, línguas, sons, desenhos, capacidades, valores estéticos e morais, ou qualquer outra coisa que possa ser aprendida facilmente e transmitida enquanto unidade autónoma".

Resposta ao desafio da Isabel Victor no Caderno de Campo.

Passo agora a tarefa a: Arion maislogs , S. nonblog , Alice A Tradução da Memória , Patrícia Abrotea, Cátia Um Ideal... não muito perfeito.

domingo, maio 13, 2007

104. "meme"


"Entrei numa livraria. Pus-me a contar os livros que há para ler e os anos que terei de vida. Não chegam, não duro nem para metade da livraria. Deve haver certamente outras maneiras de se salvar uma pessoa, senão estarei perdido."
Almada Negreiros

(*) Um "meme" é um " gene cultural" que envolve algum conhecimento que passas a outros contemporâneos ou a teus descendentes. Os memes podem ser ideias ou partes de ideias, línguas, sons, desenhos, capacidades, valores estéticos e morais, ou qualquer outra coisa que possa ser aprendida facilmente e transmitida enquanto unidade autónoma".

Resposta ao desafio da Bandida.

passo agora a: Não há Nada como o Realmente, Música do Acaso, Branco e Azul, Caderno de Campo, Lapis Exilis.

quinta-feira, maio 10, 2007

103. AINDA CÁ ESTOU...

a ouvir pessoas que têm muito para contar...
a ver castelos de encantar...


e a registar... com a tal objectiva nova.

Aos meus visitantes fieis e já impacientes: voltarei. Obrigada.

quarta-feira, maio 02, 2007

99. SANTA PACIÊNCIA!


Gosto do "Um Contra Todos". E vejo sempre que posso. Mas nunca deixo de ficar estupefacta! Como é que é possível alguém prestar-se a exibir em público toda a dimensão da sua ignorância com um descaramento absoluto e uma tranquilidade total, quando se encontra inscrito num concurso de cultura geral? E ainda por cima a cultura que ali se exige é realmente muito geral! Nunca a ignorância foi tão longe numa tão serena exibição!
É que os concorrentes não se importam absolutamente nada de expôr despudoradamente a sua falta total de conhecimentos, justificando-se com frases que se tornaram já ícones do programa "Aqui uma pessoa esquece-se de tudo, não é como lá em casa"; "Este tema não é o meu forte"; "Estou inclinado(a) para..."; "Acho que esse nome me diz qualquer coisa".
Eu creio que a minha atitude é reveladora de uma forte tendência masoquista, mas todos os dias lá estou eu, em frente do televisor, para ver professoras (!!!) dizerem que o autor da Mensagem é "um nome conhecido, parece-me", estudantes ignorarem os mais elementares acontecimentos da História de Portugal, ou um professor (???) de educação física dizer que não sabe se o caldo verde se faz com batata ou rabanetes... porque com tomate ele sabia que não era! (E logo eu, que detesto sopa!)
Louvo a pachorra infinita do José Carlos Malato, que consegue ouvir e calar, que remédio tem ele! Lá tem os seus desabafos, mas relamente tem uma paciência infinita!
Mas que país é este, senhores! Eles concorrem a um programa de CULTURA GERAL!!! E depois a língua portuguesa não é "o forte" deles, Fernando Pessoa é "talvez" o autor de... não se sabe de quê. Ao cinema, "infelizmente" vão pouco e quando vão não têm memória "para nomes de realizadores" (uma pessoa não pode ter memória para tudo!). Isadora Duncan é precursora do surrealismo. E o caldo verde faz-se com rabanetes! E quando, por "espírito santo d'orelha" ou "totoloto", a resposta está certa, respiram fundo e deixam escapar um "que sorte!".
Diz o povo que a sorte favorece os audazes. Digo eu, pelo que vejo, que a sorte favorece os ignorantes porque aquelas almas conseguem às vezes sair dali com uns euros no bolso.
É angustiante, asseguro-vos, ter a sensação de que faço parte de uma espécie em vias de extinção que ainda sabe que o James Stewart fez "A Janela Indiscreta" e que o António José da Silva escreveu "As Guerras do Alecrim e da Mangerona".
Santa paciência!