Uma frase que se ouve frequentemente aos lisboetas é "Eu gosto do Porto. Gosto imenso do Porto." Mas, vá lá saber-se porquê, soa sempre um bocado a justificação implícita... "desculpem lá, mas a verdade é que eu até gosto...". E, no entanto, creio que a grande maioria é sincera. E não precisava do tom de justificação. Eu gosto do Porto. Também gosto de Paris, de Nova Iorque, do Rio e de São Paulo. Gosto muito de Goiás (que saudades!) e gosto de Barcelona, de Aix-en-Provence, de Sevilha e de sei lá quantos sítios mais. Gosto do Porto sem complexos e sem me justificar. Dizem "as pessoas são mais genuínas, mais autênticas; come-se melhor". Eu sei lá! Gosto do Porto porque me sinto bem no Porto. E pronto.
Agora uma experiência por que eu nunca passara era o São João no Porto! E desta vez, lá aconteceu.
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No início, tudo parece pacífico e normal. Promete festa, claro, mas sem glamour aparente. Nos Aliados monta-se uma enorme parafernália que irá acolher o(s) concerto(s). Pelas ruas montam-se as vendas de comida, bebida, alho porro e martelinhos. As roulotes das farturas ensaiam os acordes roufenhos do Quim Barreiros. E está calor, um calor um bocado abafado que, segundo me explicam, anuncia as "orvalhadas do São João". Eu não sabia, mas São João sem orvalhadas, não é São João. Não há brilho de sol nem azul de céu para fazer saltar os reflexos de prata das sardinhas. Mas por baixo de tudo isto, germina a noite de São João. Adivinha-se, rente ao chão, a agitação que começa a fermentar. A tarde vai avançando e o sol rompeu, o ar agita-se com uma brisa afável e a respiração da cidade começa a sentir-se mais agitada, num frémito de antecipação.
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Os barcos parecem cavalos impacientes à espera de entrar na arena, resfolegam um pouco e lançam de quando em quando um aviso sonoro, raspando as águas tranquilas do cais.
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É já passando debaixo das 4 pontes que vemos o sol desaparecer e a noite soltar-se em milhares de luzes, em cores, em sons de festa, em música. De um lado e do outro do rio são aos milhares as pessoas que acenam e aos milhões os martelinhos que fustigam o ar com gestos de marionetas. Cheira a mangerico e a sardinha assada. É Junho em Portugal. Os risos são despreocupados e abertos, os cumprimentos desinibidos e risonhos, o sotaque do Norte contagia-nos com a sua abertura e franqueza. .
E depois chega a meia noite. E o céu explode em fogo de estrelas, cascatas, flores de luz que se abrem, vermelho, verde, azul, dourado, branco. A explosão parece não ter fim, ensurdece-nos o estrondo dos morteiros. Todos os olhos estão voltados para o céu, em festa, crianças de novo, por uns momentos, num deslumbramento que por muitas vezes que se repita nos põe sempre a alma em festa. As máquinas fotográficas disparam feitas loucas, sem conseguirem captar o momento mágico, demasiado efémero, mas aproximando-se muito. Os telemóveis, de mais ou menos moderna geração, andam numa roda viva ansiosa. "Ali, olha ali!". "Estás todo desenquadrado... dá cá... assim, com o fogo atrás!". "Apanhaste aquela grande, vermelha?". "Vê-se alguma coisa?". E por todo o lado, como se nos fosse devorar, a explosão de luz e cor.
De repente, os últimos morteiros anunciam o fim. Continua a música, os martelinhos não têm descanso. Arrefeceu quando o fogo se calou. Há quem se retire para o interior do barco: um casal num banco lá ao fundo que nem deu pelo fogo (pelo menos pelo de artifício); as crianças que recolhem às mão-cheias martelinhos abandonados; a senhora que zela pelos mangericos de quadras caprichadas. Os milhares de silhuetas ao longo dos cais recortam-se em danças endemoinhadas, contra a luz de fogueiras imaginadas. O Santo só pode estar feliz, com "os seus caracóis loiros e o cordeirinho ao pé".
Atracamos ao cais. O Porto vibra de São João em cada milímetro quadrado.
Gosto do Porto.
(As fotos são minhas e do Lauro António. Difícil dizer quais as de quem, mas tudo bem.)
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1 comentário:
Não estive lá mas a descrição é de se lhe tirar o chapéu e as fotografias não importa de quem são bem elucidativas.
Bj
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